1.
Introdução
Este trabalho tem por
objetivo compreender minimamente dentro do pensamento de Henri Bergson como se
dá a relação da percepção e da memória no gênero humano, tanto pela via mais
pragmática da percepção habitual, focada apenas em solucionar problemas mais
simples que nos são colocados pela necessidade cotidiana de sobrevivência para ação
no mundo, quanto pela via que vai ser mais explorada nesse texto, isto é, pelo
ponto de vista da arte e sua forma privilegiada de apreensão da realidade
enquanto duração. Para tanto vou me valer de um escopo básico da “Teoria da Arte”
Bergsoniana e exemplificar a compreensão de suas ideias e seu poder explicativo
visto pela perspectiva da pintura e da análise de obras de alguns artistas visuais
citados pelo filósofo francês.
2.
O pragmatismo da percepção habitual em Matéria
e Memória
Em Matéria e Memória Bergson
estuda profundamente o problema da relação e da continuidade do espirito e do
corpo, que remete a uma tradição filosófica dualista e seus desafios teóricos
do qual ele pretende sanar valendo de seus conhecimentos empíricos das ciências
psicológicas da época e o rigor da sua reflexão filosófica. Com isso ele vai
ser levado para o farto campo de estudo do conceito de memória em que ele
procura representa-la precisamente como o ponto de interseção entre o espírito
e a matéria.
De frente ao seu problema
Bergson adota uma posição introspectiva e intuitiva para a análise da
experiência da percepção, com o objetivo de se desprender das ideias
pré-concebidas de outras teorias do espírito ou dos preconceitos do senso
comum.
Desse modo Bergson chega a
conclusões originais e superinteressantes que serão objeto de polêmicas e
intenso debate dentro dos círculos intelectuais que lidam com essas temáticas. Para
ele o mundo percebido pelos sentidos e a intuição é recheado pela presença de
imagens que agem e reagem umas sobre as outras conforme as suas naturezas,
porém em sua autoanálise a uma imagem que prevalece, é a imagem do corpo, pois
o ser humano é capaz de conhecê-la externamente pelas percepções, mas também
conhecê-la internamente pelas suas afecções. E dada às diversas formas de
afecções presentes no corpo ambas possuem pelo menos um elemento comum: o
convite a agir. O filósofo francês sintetiza essa ideia nesta passagem do
Capitulo I de Matéria e Memória:
“Tudo
se passa como se, nesse conjunto de imagens que chamo universo, nada se pudesse
produzir de realmente novo a não ser por intermédio de certas imagens
particulares cujo modelo me é fornecido por meu corpo”. (pg 12)
Logo como apontado por
Bergson o corpo no conjunto do mundo material é uma imagem que atua como as
outras interagindo no mundo através da ação de receber e devolver movimento,
mas com uma diferença fundamental: o corpo é capaz de escolher em certa medida
a maneira de como vai devolver o que recebe. Longe de ser visto como um
mecanismo passivo o corpo é um objeto destinado a mover objetos sendo assim um
centro de ação, resta entender minimamente como se dá essa escolha em meio à
seleção de imagens efetuada por ele.
Para isso o filósofo parte
da ideia de que a percepção aparece como um intervalo entre ações e reações do
organismo, e o corpo munido do sistema nervoso, assume o papel de conduzir ou
bloquear uma ação dentro do ambiente, abrindo espaço para uma indeterminação do
agir que dá certa margem de independência de ação do ser vivo.
Com isso em mente conforme
apontado por Bergson é possível avaliar a quantidade e a distância das coisas e
de como elas se relacionam entre si e na forma como o corpo escolhe agir:
“Qualquer
que seja essa relação, qualquer que seja, portanto a natureza íntima da
percepção, pode-se afirmar que a amplitude da percepção mede exatamente a
indeterminação da ação consecutiva, e consequentemente enunciar esta lei: a
percepção dispõe do espaço na exata proporção em que a ação dispõe do tempo”.
(pg 29)
Nesse momento do texto de Matéria e Memória é
interessante observar como a questão da interação do corpo com o meio externo
vai tomando complexidade e vai ter lidar a partir daqui com o problema da
passagem do tempo, pois cada ato de percepção é um novo ato, e isso pressupõe outras
experiências anteriores e estados psicológicos. Para lidar com esse problema
Bergson mais adiante, vai passar a opor a percepção atual, ou "pura"
daquilo que vai chamar de lembrança e trabalhar em um sentido de também estabelecer
uma teoria da memória "pura".
Na passagem da percepção das
imagens para o nível da consciência, ele introduz a ideia de que não há
percepção que não esteja impregnada de lembranças, logo a memória se impõe no
desenvolvimento do sujeito com o tempo através da experiência com real, e
depois de "consolidada" e constantemente atualizada ela funciona
dentro desse "circuito" da percepção como uma variável dominante,
combinando as memórias com o processo corporal e o presente da percepção:
“Aos
dados imediatos e presentes de nossos sentidos misturamos milhares de detalhes
de nossa experiência passada. Na maioria das vezes, estas lembranças deslocam
nossas percepções reais, das quais não retemos então mais que algumas
indicações, simples "signos" destinados a nos trazerem à memória
antigas imagens.” (pg 30)
Portanto a memória possui
uma função decisiva no processo psicológico permitindo a relação do corpo no presente com
o seu passado e interferindo ativamente no processo 'atual' de selecionar as
imagens relevantes para serem representadas na consciência.
Outra característica
fundamental é que essa memória é cumulativa e crescente dispondo da experiência
adquirida pelo contato com a realidade. Para tornar o entendimento dessa
relação mais didático Bergson pensou em representar esse espaço profundo da
memória e o espaço raso e pontual da percepção imediata através da figura geométrica
de um cone invertido no Capítulo III de Matéria e Memória:
Onde conforme Bergson
compreende que:
“Se
eu representar por um cone SAB a totalidade das lembranças acumuladas em minha
memória, a base AB, assentada no passado, permanece imóvel, enquanto o vértice
S, que figura a todo momento meu presente, avança sem cessar, e sem cessar
também toca o plano móvel P de minha representação atual do universo. Em S
concentra-se a imagem do corpo; e, fazendo parte do plano P, essa imagem
limita-se a receber e a devolver as ações emanadas de todas as imagens de que
se compõe o plano.” (pg 178)
A partir desse esquema
explicativo vemos em linhas gerais como funciona o circuito da percepção e da
memória, na base do cone estariam às lembranças que 'descem' para o presente,
onde a percepção também tem o poder de evocar lembranças, os dois atos,
percepção e lembrança se penetram e trocam sempre algo de suas substâncias.
Vale a pena ressaltar que esses elementos brevemente explicados fazem parte da
teoria da percepção 'pura' e da teoria da memória 'pura' de Bergson e que podem
ser mais aprofundadas, o interessante que esse 'puro' até colocado entre aspas,
só existe de direito e não de fato, pois nós vivemos através de nossa condição
corpórea os mistos. Essa separação radical no estudo vale mais pela facilidade
de explicação e até decorre acredito que do limite da nossa linguagem como
forma de expressão, que através da análise da razão nos força sempre a
estabelecer distinções.
Logo é importante concluir
também dessa parte, para compreender melhor o objetivo do trabalho, que a
memória na base do cone teria uma função prática de limitar a indeterminação do
pensamento e da ação a fim de influenciar o sujeito a reproduzir formas de
comportamento que já deram certo, porque, por exemplo, a percepção cotidiana
precisa do passado de que algum modo se conservou, para agir de forma
pragmática e em muitos casos repetitivamente para sobreviver no mundo.
3.
Breve
estudo da “Teoria da Arte” Bergsoniana.
Antes de compreender a ideia
de arte no pensamento de Bergson, seu método não tem a pretensão de ser
absolutamente sistemático e para isso é preciso explorar sua obra como um todo
através dos ensaios, conferências etc por ele, no nosso caso a partir da
conclusão tirada na parte 2 desse trabalho, como visto nossa condição humana na
vida comum exige que tomemos as coisas na relação que elas têm com nossas
necessidades, o que acaba implicando em uma percepção meramente pragmática,
como atesta Bergson em seu ensaio sobre "O Riso":
“Eu
olho e acredito ver, dou ouvidos e acredito ouvir, estudo-me e acredito ler no
fundo de meu coração. Mas o que vejo e ouço do mundo exterior é simplesmente o
que meus sentidos dele extraem para aclarar minha conduta; o que conheço de mim
mesmo é o que aflora à superfície, o que toma parte da ação. Meus sentidos, e
minha consciência, portanto, só me entregam da realidade uma simplificação
prática.” (Capitulo 3, pg 113)
Logo a percepção nesse
sentido auxilia a ação e isola no conjunto da realidade aquilo que interessa,
mostrando menos das coisas como elas são de fato e focando apenas em mostrar aquilo
que se pode delas tirar proveito.
Conforme dito pelo filósofo
é como se a natureza coloca-se um véu espeço na consciência dos seres humanos
comuns, o que vai ter consequência até na própria filosofia quando trata das mudanças
presentes na realidade e a consequente 'condenação' dos sentidos na história do
pensamento ocidental por eles distanciarem a ‘verdade’ em uma lógica mais
abstrata e conceitual. Porém a mesma natureza que jogou esse véu espeço sob a percepção
limitada da maioria dos seres humanos, para outros foi mais grata, os artistas
talvez por acidente recebessem um véu quase transparente na metáfora de Bergson,
cujos sentidos e consciência não são tão voltados para o sentido prático das
coisas, mas quando olham algo veem por ele mesmo, percebem por perceber sem um objetivo
pragmático, observam assim pelo prazer de contemplar a totalidade do momento ou
estado em que vivem, pois em não pensar tanto em usar a percepção, desprendidos
dela percebem um maior número de coisas por serem capazes de notarem a
individualidade das imagens/coisas.
E por esse acidente, cada
artista com seu véu e particularidade envolvida se dedica ordinariamente a uma arte,
que tendo em vista a multiplicidade dos seres humanos vai seguir segundo sua
diversidade cada qual em sua especialização e predisposição:
"Aquele
que se apegará às cores e às formas (...) ele nos afastará dos preconceitos de
forma e de cor que se interpunham entre nosso olho e a realidade. E realizará
assim a mais elevada ambição da arte, que é revelar-nos a natureza. - Outros,
ao contrário, se voltarão para si mesmos.(...)e por meio de arranjos
ritmados de palavras, que chegam assim a
organizar-se juntas e a animar-se com
vida original, eles nos dizem, ou melhor, nos sugerem, coisas que a linguagem
não foi feita para exprimir. - Outros se aprofundarão ainda mais. Debaixo das
alegrias e das tristezas que a rigor se podem traduzir em palavras, captarão
alguma coisa que nada mais tem de comum com a palavra. (...) ao acentuar essa
música, eles a imporão à nossa atenção; e nos levarão a inserir-nos involuntariamente
nela, como transeuntes que entram na dança." (O Riso. Capitulo 3 pg 117)
Portanto como visto pelos
três gêneros de expressão expostos por Bergson, ou até por outros gêneros a
mais não citados, é comum que a arte tenha como objetivo afastar os símbolos úteis
visto da perspectiva de uma ação meramente pragmática, generalista ou
proveniente de uma convenção social, a arte nos coloca face a face com a
realidade mesma. Em outras palavras, com inspiração no trabalho de Franklin Leopoldo
e Silva em "Bergson, Proust - Tensões do tempo" essa perspectiva
pragmática é fruto de nosso espirito concentrado e tensionado como naquela
representação de Bergson na parte 2 desse trabalho, onde a ponta do cone toca o
real no domínio em que ele pode ser útil, já a condição da arte é o grande ou extremo
relaxamento desta tensão, para o Franklin como se dá isso e por que alguns
passam por essas experiências criativas é um grandioso enigma, o que importa pra
ele é que a criação artística decorre dessa descontração e distração onde o
espírito distende e a percepção ampliada percebe mais profundamente, o que em
uma visão simplista parece como um paradoxo, mas visto tudo que estudamos do
pensamento em Bergson sugere ser bem plausível. Longe de querer entender a
causa das obras artísticas criadas pelas regras do gênio, é importante também
falar de seus efeitos, e a forma como Bergson mede relativamente isso: nesse
caso o filósofo pela sua lógica mede a partir da sinceridade de uma obra, pois
quanto mais verdade ela carregar maior vai ser seu poder convicção. Porque a
sinceridade é comunicativa, e sendo desvelada pelo artista e o seu efeito tende
a ser cada vez mais universal.
4.
A
perspectiva da pintura: Análise de obras de Turner e Corot.
Vimos que a arte é uma via
privilegiada para que os seres humanos tenham um contato revelador com a realidade
mesma, Bergson dá uma atenção maior em alguns momentos de sua obra, carregada
de metáforas imagéticas e visuais, para a pintura que segundo ele nada mais
pode mostrar tão claramente esse principio revelador da verdade pela arte,
porque os olhos sensíveis dos artistas visuais podem se colocar como os olhos
de todos os seres humanos.
E em sua sinceridade quase didática pode
fazer com que muitas pessoas cerceadas pelo pragmatismo da vida comum possam
ver o mundo de uma forma ampliada e transformadora, conforme ele mesmo atesta
em "A percepção da Mudança" no ensaio "O Pensamento e o
Movente":
"Um
Corot, um Turner, para citar apenas estes, perceberam na natureza muitos
aspectos que não notávamos. - Acaso se dirá que não viram, mas criaram que nos
entregaram produtos de sua imaginação, que adotamos suas invenções porque nos
agradam e que simplesmente nos divertimos olhando a natureza através da imagem
que os grande pintores dela nos traçaram? - Isso é verdade, em certa medida;
mas, se fosse unicamente assim, por que diríamos acerca de certas obras - a dos
mestres - que elas são verdadeiras? Onde estaria a diferença entre a grande
arte e a pura fantasia? Aprofundemos o que experimentamos diante de um Turner
ou de um Corot: descobriremos que, se os aceitamos e os admiramos, é porque já
havíamos percebido sem aperceber. Era, para nós, uma visão brilhante e
evanescente, perdida nessa multidão de visões igualmente brilhantes, igualmente
evanescentes, que se recobrem em nossa experiência usual como "dissolving
views" e que constituem, por sua interferência recíproca, a visão pálida e
descolorida que temos habitualmente das coisas" (pg 156)
O pintor em sua empreitada é
capaz de isolar e fixar tão bem essas imagens dissolvidas e continuas do real
em uma tela, que mesmo com as pinceladas de alguns instantes é capaz de
representar uma imagem da duração profunda, bem diferente do nosso uso habitual
dos olhos focados em atingir um ou outro objetivo, em contato com uma pintura
somos impedidos de não aperceber na realidade aquilo que o próprio artista viu
nela. Antes de analisar as obras escolhidas de Corot e Turner, precisamos
situá-los como artistas que pré-concebem muito o estilo Impressionista,
movimento artístico contemporâneo a Bergson e que de certa forma dialoga muito
com seu pensamento.
O Impressionismo em linhas
gerais herda um legado da pintura realista, porém o realismo em uma visão bem
geral foca tanto em ver a verdade de uma forma espacializada e geométrica que
passa a se "tornar cega de tanto ver" como apontado por Franklin
Leopoldo em artigo estudado para esse trabalho.
Por isso o impressionista
reage a essa cegueira generalista e passa a buscar a atualidade do efêmero
visto de núcleo temporal que impressiona a consciência com a individualidade do
momento que é impressa de forma sútil e poderosa na memória, a luz muda
constantemente no dia e pintar por exemplo, em variados momentos do dia cria
quadros bem diferentes e com uma carga emocional diversa de um mesmo lugar, o
artista investiga e manipula ao seu modo esses elementos, a obra pressupõe
certa transitoriedade em sua narrativa com o objetivo de buscar um estado puro
e ampliar horizontes da observação.
Jean-Baptiste-Camille Corot
(1796 - 1875) foi um famoso pintor francês de retratos, mas em seus estudos de pinturas
de paisagens mesmo sendo formado em uma tradição Neoclássica, antecipou muitas
das inovações da pintura ao ar livre impressionista rompendo com muitas regras
nas quais foi educado. Um exemplo é a obra de 1873 com título de Bornova,
İzmir:
Corot - Bornova, İzmir. 1873
Essa obra é uma pintura ao
ar livre na cidade de Bornova na Província de Izmir na Turquia, diferente da
maioria dos trabalhos em estúdio e baseados em modelo vivos, Corot já ia de
encontro com a realidade através de muitas viagens pra construir suas pinturas
em ambientes pastorais.
Essa tem alguns elementos pictóricos (como as
figuras humanas representadas) construídos pela memória, que na pintura também
tem seu fundamental papel de relevância e necessidade concepção de uma obra, mas
nesse quadro já conseguimos vislumbrar elementos da pintura instantânea dos
impressionistas na observação da luz do dia bem característica e observação de
outros elementos da paisagem, técnicas que vão ser radicalizadas pelos pintores
posteriores.
Joseph Mallord William
Turner (1775 - 1851) foi um pintor romântico inglês, considerado por muitos especialistas
um dos precursores da pintura moderna, e um prefácio romântico do
Impressionismo em função dos seus estudos sobre cor e luz. Turner já está bem
mais próximo dos Impressionistas do que Corot, sua obra é carregada de
trabalhos ao ar-livre e inclusive muitos feitos com aquarela, além da pintura a
óleo, ele intuitivamente, conhecido também como o "Pintor da Luz"
antecipou muitas técnicas impressionistas como da pintura instantânea guiada
pelo momento, e rompeu muito com o formalismo geométrico do realismo, que menos
forte também era presente nas pinturas românticas, buscando sempre não pintar ideias
figurativas, mas pintar a luz que as refletem conforme sua variação nos corpos.
Nesse sentido pensando na teoria da arte bergsoniana, ele faz um esforço de
fugir desses conceitos figurativos e bem determinados colocados pela memória
habitual aliciada a esquemas de representações mais matematizados, definidos e especializados,
como por exemplo, um arranjo de figuras dentro de um espaço abstrato guiado e
calculado por técnicas de perspectiva. Conseguimos ver em sua obra muitos
elementos de continuidade entre os "objetos" e sua ligação imanente
com o meio, pra não dizer expressão íntima da ligação de tudo com o universo.
Como podemos observar e analisar na obra de
1844, Chuva, Vapor e Velocidade - O Grande Caminho de Ferro do Oeste:
Rain, Steam and Speed - The Great Western Railway
Ela trata-se de uma paisagem
vista através da chuva em contraste com o vapor e o fumo de uma locomotiva. Segundo
relatos conforme o livro "Neoclássicos, Românticos e Realistas" dizem
que Turner fez uma cuidadosa observação direta desse lugar, e se esforçou em reter
na mente a imagem, e logo não hesitou em sentar-se durante quinze minutos sob
forte chuva com os olhos fechados, para poder guardar fielmente tudo quanto
tinha observado. É superinteressante notar como a memória junto da percepção
mais alargada pode ser poderosa. Depois desse processo, em que nosso esforço analítico
tenta ingenuamente narrar como uma fórmula, teve como resultado uma composição
de contrastes apresentando a mutação do mundo, da paisagem pastoral e a imponente
e locomotiva no viaduto. É impressionante como até mesmo um instrumento
puramente técnico como uma locomotiva ganha ares de um objeto em plena harmonia
com o meio, conforme representado por Turner e não como um veículo transgressor
que se impõe a fim de atingir seus objetivos, como muitos outros artistas vão retratar,
mas naquele instante de inspiração, e dada às condições meteorológicas essa
confluência fazia todo o sentido no olhar inspirado do artista pela sua memória
e percepção.
5.
Conclusão
Acredito que tenha
conseguido atingir minimamente os objetivos desse trabalho, longe de esgotar o
tema é impressionante como o pensamento de Henri Bergson é poderoso para
entender vários problemas filosóficos e práticos da vida humana. Sua visão de arte, fruto de ideias tão
vigorosas sobre o corpo e o espirito, sem dúvidas é um instrumento importante
para interpretar uma série de outros temas, isso porque ficamos ‘cerceados’ só pela
especificidade da pintura, mas a análise pode se estender como muitos especialistas fazem para uma série
de outros modos de expressão. Mas é bonito também dentro da história do
pensamento ocidental, como Bergson valoriza privilegia a arte como forma de
conhecimento, longe de produzir obras de segunda visão ou terceira visão da “verdade”
ela se coloca como um meio fundamental pra se apreender a verdade concreta,
longe de concepções abstratas calcadas em outro mundo ou em uma especulação no ‘imóvel’.
6.
Referências
Bibliográficas
BERGSON,
Henri. Matéria e Memória: Ensaio sobre a
relação do corpo com o espírito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
BERGSON,
Henri. O Riso Ensaio sobre a
significação da comicidade. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
BERGSON,
Henri. A percepção da mudança in O pensamento e o Movente.
BOSI,
Ecléa. Bergson, ou a Conservação do
Passado in Memória e Sociedade. Lembranças de Velhos. São Paulo:
Companhia das Letras, 1994.
SILVA,
Franklin Leopoldo e. Bergson, Proust - Tensões do tempo.
Diversos
Autores. Neoclássicos, Românticos e
Realistas (II), Coleção Génios da Pintura, Editora Abril Cultural, Editor
Victor Civita, 1984 (Acesso via Wikipédia).